A natureza tem dado dor de cabeça à população da praia do Icaraí, em Caucaia, nos últimos anos. O mar não para de avançar e os muros de contenção parecem cada vez mais frágeis. A praia que chegou a ser ponto turístico do Ceará está praticamente entregue a sorte. Atualmente, resta apenas uma barraca na orla. Mas, deverá se perpetuar a fama que ganhou o local de celeiro de craques do surfe. A maior contribuição para manter viva a tradição de revelar atletas ali vem da escolinha do professor Eduardo Freitas, criada há 11 anos.

Faça chuva ou sol, ele está sempre a postos para fazer o que lhe dá mais prazer. “Eu gosto muito de ensinar e ajudar o próximo. Isso é de mim. Decidi passar meu dom, o pouco que eu sei, pra meninada que se amarra no esporte”, explica. A escolinha de bodyboard não conta com apoio de ninguém, além da Federação Cearense de Bodyboard que, sem dinheiro, ajuda de outras formas. “A gente consegue inscrições nos campeonatos para alguns alunos, material, prancha, pé de pato. É um trabalho de formiguinha”, afirma o presidente da Federação, Tom Santiago.

Dessa forma, as maiores referências no estado, como Natanael Sousa, Bruno Araújo, Ingrid Silva, vão conquistando seu espaço no cenário nacional, e eliminando os riscos de serem vítimas do que os cerca. “Se não fosse o bodyboard, de onde eu vim, eu estaria num lugar… Não sei nem se estaria vivo, na verdade”, revela Natanael, que trabalha dando aulas de kitesurf e ajuda o pai a cuidar da única barraca restante na orla do Icaraí.

A maior inspiração dos atletas é uma atleta que nasceu para o surfe praticamente junto com a Escolinha de Bodyboard do Icaraí (EBI). Isabela Sousa foi aluna do Dudu – como o professor é chamado. Tornou-se a melhor bodyboarder do planeta e, em 2014, luta pelo quarto título mundial. Poderia morar em qualquer lugar, para treinar nas melhores ondas, mas prefere permanecer nas origens, para inspirar e se inspirar. “É sempre legal encontrar essa galera da escolinha pra pegar essa energia boa e transformar em vitória”, conta Isabela.

A pequena Maria Raquel Sampaio, de 12 anos, é a Isabela do passado. A diferença é que a Isabela não tinha uma referencia tão próxima quando começou. “Eu nunca imaginei que iria surfar, nem que iria ser amiga do Dudu e da Isabela Sousa. Tô me instigando pra ser quem nem ela, campeã mundial”, sonha Raquelzinha. Para realmente ser, é critério da escolinha estar bem nos estudos. Caso contrário, nada de mar. “A minha mãe sempre fala ‘Raquel, passe de ano’ e eu digo que vou ser a melhor aluna lá da sala pra poder continuar surfando”.

Hoje em dia, 90% das meninas que competem nas categorias de base do Circuito Cearense saem da escolinha de Eduardo Freitas, cujo trabalho já sensibilizou diversas pessoas ao ponto de o estado já ter outros seis núcleos espalhados nas cidades. Por pouco o trabalho de Dudu não foi interrompido, no Icaraí. Um acidente enquanto surfava, em 2005, o fez quebrar duas vértebras do pescoço. Ficou impossibilitado de surfar e, consequentemente, de dar aulas. “Passei um ano de cama, meus alunos indo lá, dando força”, lembra. Recuperado, Dudu imediatamente voltou para o mar e para a escolinha. “Tive que reaprender a surfar na minha própria escolinha, porque já não sabia mais”. O respeito e a troca de conhecimento entre aluno e professor os tornaram mais que mentor e aprendiz. O antes professor da Isabela Sousa é hoje um dos melhores amigos da tricampeã mundial.

Com todos de mãos dadas, os bodyboarders vencem as dificuldades que se tornaram comuns ao esporte amador todos os dias. Fora do mar, quem tentar interver nessa relação com o esporte terá derrota certa. Até porque tem gente que usa a persistência como combustível. “A gente não pode abandonar essas pessoas”, ressalta Tom Santiago. Não abandonando, a praia do Icaraí terá sempre o que vem do mar como maior orgulho. “Isso vai ser pra vida toda”, garante Raquelzinha.